sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

"Malhação de pobre é vassoura, balde e fila do SUS, Bêibi!"


Essa foi a resposta que dona Marileuza, faxineira de certa cadimia ultra-mega-sou-novo-rico-sim-e-daí? lá da zona Centro-Sul, me deu quando lhe perguntei se os funcionários ganhavam bolsa pra malhar de grátis. Pergunta de frouxa retórica e larga cretinice de minha parte, claro, pois tava na vista que dona Marileuza não tinha bolsa de espécie alguma. Ela carregava os documento numa sacolinha plástica transparente, daquelas de pôr farinha (Agradecemos a Preferência).

Tá, mas que djabo eu tava fazendo na tal cadimia de bacana em primeiro lugar, perguntariam meus 2,4 leitores fiéis - que me conhecem de longa e sabem que meu condicionamento físico tá muito mais pra ala hospitalar que pra sala de musculação. Aí é que tá, meu povo: durante a tal campanha prefeiturável, eu consegui perder seis quilos dos poucos que me restavam e, antes que a ONU resolvesse buscar ajuda humanitária e helicópteros começassem a despejar alimentos e remédios na minha laje, eu resolvi que tava na hora de entalhar uma moldura mais saudável para minha pessoa. Aquela história: tinha um amigo de uma amiga que conhecia um fulano que tinha acesso a um não-sei-o-quê que dava desconto nas três primeiras mensalidades da academia chicosa. Não custava arriscar.

Esquema acertado, chego lá de tênis naftalinado, camisetinha Adidas do bate-palma e muita disposição. O lugar era de fato uma fábrica da boa forma: tinha piscina(s), ginástica(s), musculação, dança disso, luta daquilo, sauna, paredão de escalada, esteira com HBO. Só não tinha um técnico de plantão no estacionamento pra consertar a cancela automática da entrada, permitindo que o melhor pedigree da cidade tivesse acesso a tudo isso. Depois de uma meia hora preso lá em baixo, vendo o tormento do vigia enquanto ele cutucava a tal cancela até ela soltar faísca e resolver abrir, eis que adentro quase de penetra o templo de Adônis. Em sociedade com Afrodite: a quantidade de gente bonita era inversamente proporcional a de gente simpática. Sorriso, só das recepcionistas (e dava pra perceber que elas só mostravam a arcada superior porque eram pagas pra isso). Até aí, sem problema: eu definitivamente não estava ali pra fazer amigos ou influenciar pessoas.

O "Uau"! do início não durou muito, porém. Tudo bem, o lugar era fantástico, tinha zilhões de coisas pra fazer e coisa e tal. O ambiente era impecavelmente limpo, bem iluminado, cheiroso e coisa e tal. A manutenção era constante: você mal levantava do aparelho e já vinha uma tia passar paninho, e coisa e tal. Os instrutores eram bem preparados e tão atenciosos que praticamente faziam o exercício por você.

Então que merda tinha de errado, seu chato? Exatamente isso: nada. O lugar era perfeitinho demais. Impessoal, asséptico, inodoro, insípido e incolor. Uma atmosfera insuportável de arrogância velada, com um sistema de castas pouco evidenciado, mas bem evidente: as faxineiras, por exemplo, vestiam-se de cinza dos pés à cabeça - pra se confundir com a paisagem - e eram aparentemente proibidas de olhar nos olhos dos privilegiados frequentadores ou sequer lhes dirigir a palavra, nem que fosse pra dizer "com licença, o senhor largou seus pesos em cima do meu pé".

Talvez a revolução das máquinas tivesse começado por ali e eu estivesse cercado de andróides. Só pra testar a teoria, resolvi quebrar o protocolo e puxar papo com a faxineira mais próxima pra perguntar se ela era 110 ou 220. Nenhum alarme soou, felizmente. Tive tempo suficiente pra descobrir que a replicante tinha nome de batismo, e pude fazer a malfadada pergunta cuja resposta, tão crua em sua dolorosa sabedoria, virou o título do post.

Encurtando: continuo com seis quilos a menos, procurando um meio-termo saudável entre os supinos de cimento do Puraquequara e o Palácio de Versalhes dos marombeiros. Se alguém souber de uma academia honestinha, simpática, onde ninguém me fuzile com os olhos por usar tênis Olympicus e os funcionários sejam criaturas de carbono capazes de rir e organizar festinhas de confraternização cafoninhas e maravilhosas, por favor me indiquem. Nem precisa ter HBO na esteira: pegando a Globo tá bom.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Três Dimensões



O vício mais inquietante é aquele que não tem uma resposta fácil. Uma única substância que o dispare. É mais fundo que isso. É aquele vício que só você parece ter. Alguém nasce, diz a fábula, vem um anjo e aperta seus lábios com o dedo, e conta um segredo que é impossível de se lembrar depois: "Tu vais procurar tal coisa, a vida inteira. E quando encontrar, não vai ser o bastante".

Essa garota, por exemplo. Era viciada em rostos. Pelo menos, foi assim que ela se descreveu numa dessas conversas de cinco minutos que o tempo permite desdobrar e multiplicar de maneira estranha. Tinha um bloquinho de papel interminável e desenhava rascunhos de pessoas na rua. Qualquer pessoa. Fiquei imaginando que tipo de coleção a garota fazia com aqueles desenhos, ou quem ela estava procurando, ou se estava procurando a si mesma no rosto dos outros - essas filosofias de prateleira promocional que a gente se pega praticando quando o nível de serotonina anda muito baixo ou o teor alcóolico, muito alto. Ou ambos. Ou quando a gente simplesmente não tem o que fazer.

Era o último caso.

- "É seu vestido de noiva?", perguntei, escape ordinário para começar uma conversa, vendo-a rascunhar o que parecia ser uma mulher num longo branco.

Ouvi um grunhido estranho vindo da direção dela e demorei um pouco para entender que aquilo era uma risada. Ela tinha se mantido de cabeça baixa e em completo silêncio até então. Quando me viu encarando-a curioso, pareceu sentir vergonha de si mesma, voltando a baixar a cabeça. "Na verdade não sou eu no desenho", ela finalmente respondeu, tímida. E o diálogo foi adiante, sobre tudo e nada, enquanto ela terminava seu esboço.

Foi lá pelo terceiro ou quarto tópico de discussão adoravelmente sem sentido que a desenhista ergueu o bloquinho de papel, sua noiva de grafite totalmente concebida em linhas ágeis e firmes. Apontou, sem cerimônia, para uma outra garota poucos metros à nossa frente, no balcão da conveniência, ancorada ao ombro de um sujeito que atormentava o balconista com seu humor de bêbado. Vi aquela personagem trágica - o cabelo solto descuidado, o queixo quase ausente, o olhar opaco - e comparei: eram de fato idênticos aos do desenho. Mas a modelo de carne e osso não usava um vestido longo branco. Ao contrário, o pouco que usava seria o bastante pra fechar as portas de qualquer igreja num raio de quilômetros.

- "Ela não está vestida de noiva", tive a cretinice de comentar.

- "Eu sei", respondeu a artista, sorrindo torto. "Mas adoraria estar".

Silêncio. Só então apurei o olhar: a garota do balcão, já não mais parecendo assim tão jovem, de braços atados ao ombro do seu homem, como afogado que se agarra a uma pedra sem perceber que isso o fará afundar ainda mais rápido. O namorado/amante/whatever (marido é que não era), bronco e embriagado, caprichando no papel de idiota, e ela lá, sem dizer palavra - nem censura, nem aprovação. Apenas ali. Aquele tipo de mulher que se sujeitaria a qualquer traste apenas para não ficar sozinha. Disposta a inventar o final feliz que a vida teimava em não lhe dar. Era o vício dela.

Voltei para a artista ao meu lado disposto a elogiar sua visão, tão além do imediatismo que um rosto pode mostrar. Mas ela não estava mais ali.

Talvez eu tenha passado tempo demais analisando o objeto do desenho. Ou talvez meu vício seja minha própria subliteratura: imaginar histórias tolas para tentar escrever pessoas - uma vez que lê-las parece cada vez mais difícil.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Corpse Ride


Tinha certa morbidez poética o reclame colado à média altura naquela ruazinha vieirálvica que, de tão corriqueira nas andanças diárias, nunca preocupei-me em lembrar do nome (perdoe-me de antemão a autoridade, o santo ou o rio homenageado, por tão ingrata indiferença).

Lá estavam cavalo Faísca e seu montador, em instantâneo de salto galopante - imagem nostálgica, épica e, atualmente, fúnebre: Beto Carrero em majestosa pose Upa-lalá, anunciando que seu circo andava cá pela cidade.

- Mas ele não morreu, porra?

Pois foi. O curioso estudante (só poderia ser) que parara em frente ao áutidór para fazer a pergunta supracitada em amplo e cru som, assim como eu, não compreendia como o vaqueiro-animador-empresário-e-milionário-estalador-de-chicotes poderia estar, ao mesmo tempo, em uma arena de esportes manauense e numa bem lacrada sepultura no Cemitério da Penha, em Santa Catarina. Mas era exatamente isso que constava no anúncio. Circo Beto Carrero em Manaus (preços especiais, venha e traga e sua família).

Sabendo já me ser a idade um pouco tardia para começar a Ver Pessoas Mortas (especialmente em mídias exteriores de apuro estético duvidoso), lancei-me em primeira oportunidade ao Barriga Verde Online (como não confiar em periódico eletrônico de nome tão delicioso?) e lá estava a confirmação: Beto Carrero de fato batera suas magníficas botas de couro costurado à mão ao primeiro dia de fevereiro do ano do Senhor corrente, vítima de endocardite infecciosa e choque cardiogênico - dois desses malefícios dos quais só se descobre a existência após graduação em Medicina ou a perda dos avós.

The show must go on, okay. É perfeitamente compreensível que o autor passe e a obra permaneça - especialmente uma obra que sustenta centenas de famílias, anima as tardes de milhares de outras e leva ao delírio os administradores dos grupos financeiros certos. Que o Circo Beto Carrero continue na estrada é bacana. Que a foto do próprio continue nos reclames é bizarro. "Ah, mas a imagem do Beto Carrero é um ícone, é a própria identidade do circo que ele criou!", rebate um amigo marqueteiro de razoável bagagem técnico-literária. Arrã. Mas não seria estranho, a exemplo, levar os bruguelinhos à Disney e vê-los sendo recebidos pelo próprio (com Mickey, Donald e Pateta revezando-se às alças do caixão)? Pelo bem de minha conta no analista, quero crer que sim, e que nem no Egito múmias seriam garotas-propaganda de parque temático (tal privilégio só cabe a Las Vegas).

Ainda que por mera preservação da imagem de um ídolo - além da manutenção da sanidade infantil - sugiramos ao marketing do espetáculo a urgente contratação de um mascote menos embalsamado. Ou que empreguem apenas a simpática e inofensiva logomarca já existente nas peças de divulgação do espetáculo. Crianças já são assustadoras o suficiente sem que precisem fazer pedidos do tipo: "pai, me leva no circo do morto?

quinta-feira, 31 de julho de 2008

No Ipod do Menino

Pois então: a cambada já sabe que eu fui chamado pra trabalhar em campanha política (por isso que eu ando sumido de novo: dessa vez, por culpa do pelourinho pré-eleitoral). Daí, só pra cutucar, uns e outros perguntaram se eu faria um jingle pro candidato Do Contrário - e concorrente mais pop do páreo. E, em caso positivo, como seria a letra.

Ô, gente, nem precisa: já existe uma balada mega-power do cancioneiro popular que parece ter sido feita pra ele. Basta roub... digo, comprar os direitos autorais da turma da Joanna(lembra dela?), que tá lindo.

Diz se não é:


UMA FICHA (SUJA) NO ARQUIVO
Intérprete: Joanna

Uma ficha a mais no arquivo
Mais um traste no porão
Mais um sonho adormecido
Dentro do meu coração

Uma ponta de saudade
Dessa droga de paixão
E eu mordo o meu sorriso
Pra esconder a solidão


(Everybody!)

VOLTA
VOLTA PRA ESTRAGAR A MINHA VIDA
EU GOSTO DE VOCÊ, NÃO TEM SAÍDA
SE É PRA SOFRER EU SOFRO COM VOCÊ AQUI


Do horário eleitoral gratuito direto pro listão da Billboard.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Nighthawks. Or else.



Ela: Acho que sou aquela garota de quem ninguém se lembra.
Ele: Acho que já vi essa frase antes.
Ela: Ninguém uma frase.
Ele: No cinema. Filme legendado.
Ela: Arrange um bom emprego e aprenda inglês.
Ele: Acho que era filme europeu.
Ela: Então substitua o emprego por um bom casamento.
Ele: Casamento bom não existe.
Ela: Eu não disse casamento bom. Disse "bom casamento".
Ele: Há diferença?
Ela: Visão comercial.
Ele: Acho que você realmente é aquela garota de quem ninguém se lembra.
Ela: E por quê?
Ele: Você pensa demais. Ninguém se lembra de garotas que pensam demais.
Ela: E por quê?
Ele: São iguais a todas as outras.


(Com mil perdões a Hopper, Hitchcock e a todos aqueles que acreditam no amor. Pensando bem, não.)

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Diarista, este ser enigmático


Lá em casa tem a Dona Lete. Desse jeito mesmo: Lete, pura e simplesmente, já que foi assim que ela se apresentou e eu - por precaução - achei melhor nem perguntar o resto de um nome tão peculiar (de perigosa já basta a rima).

Pois que Dona Lete é um doce de pessoa, e reúne aqueles atributos que fazem a alegria da Casa Grande: é honestíssima, asseada, quase não me dirige a palavra e, a não ser pra dar conta do serviço, prefere ficar na dela. Para alguém tão bagunçado quanto eu, é uma redenção divina quando Dona Lete baixa, a cada dois dias sem falta, pra me deixar o apartamento novamente habitável por seres humanos.

Mas Dona Lete tem lá suas manias. Uma delas, claro, é a rádio crente. Evangélica fervorosa, Dona Lete vive praticamente de Luz, bolachas cream cracker (ela não come outra coisa, juro) e louvores em freqüência modulada - tanto que esta foi uma de suas poucas exigências pra trabalhar: o som da sala já fica pré-sintonizado na rádio crente. As caixas de som ficam lá, despejando todas aquelas canções de fé enquanto Dona Lete, de Pinho e balde, desinfeta e abençoa meu chão.

Outra mania é o celular. Mulher antenada e pessoa iluminada, Dona Lete, ao que parece, resolveu unir as duas qualidades: dá conselhos pelo celular. Volta e meia toca o celular da Dona Lete e é alguém da comunidade pedindo orientação e palavras de conforto. Só que a mulher é um tanto quanto enérgica...

- PORRA, MANINHA, EU JÁ TE FALEI PRA LARGAR ESSE CACHACEIRO VAGABUNDO QUE ISSO NUM PRESTA! DESCE A MÃO NESSE TRASTE DE HÔMI E TE AVIA!

Ou então:

- DIZ PRA ESSA FULÊRA QUE SE ELA NUM PAGAR O QUE DEVE, VÃO MANDÁ OS POLÍÇA LÁ NA CASA DELA PRA TOMÁ TUDO!

Assim mesmo, gritando baixo, e sem poupar concessões a palavras que o ministério da evangelização preferiria não ouvir da boca de seus fiéis.

Outra mania de Dona Lete são as combinações. Ela é muito organizada. Demais. Mas organizada de um jeito muito pessoal. Outro dia ela reclamou que eu tinha pouca roupa azul - assim, ficava difícil arrumar os armários por cor e deixar bonitinho.

As velas decorativas da sala tavam "muito sem graça": lá Dona Lete achou, sabe Deus onde, umas toalhinhas de crochê da minha avó e tacou em todas as mesas, com as velas em cima. Eu chego, vejo aquela arrumação de altar de arraial e fico na minha - primeiro porque morro de rir; segundo porque, se eu tirar as tais toalhinhas, no outro dia tão lá de novo. Pra completar, meu tio trouxe do Caribe umas estatuetas de umas crioulas meio vodu. Que Dona Lete, por mistérios da vida, achou lindas. E pra fechar o culto ecumênico com chave de ouro, ainda temperou o arranjo com uns duendes e bruxinhas que a minha irmã, em sua já superada fase mística, andou esquecendo lá por casa. Sincretismo religioso puro em plena sala de estar, e eu não sei se me sinto espiritualmente protegidíssimo ou esteticamente amaldiçoado por toda a eternidade.

Dona Lete também é a única a quem permito arrumar minhas gavetas. Até porque eu mesmo não consigo. Ela encontra coisas que nem minha mãe encontraria (amém), e quando não sabe o que fazer com os cacarecos que encontra, deixa tudo enfileiradinho na minha escrivaninha pra que eu decida o que presta e o que vai pro lixo. Desnecessário dizer os sustos que eu levo ao ver certas coisas desenterradas por Dona Lete me encarando na escrivaninha quando chego do trabalho. Ás vezes eu acho que ela age com requintes de crueldade - ao deixar, por exemplo, o cinzeiro roubado de bar ao lado da apostila surrada de "ética", dos tempos da faculdade. Ou a cópia pirata do filminho adulto pretensamente "cult", sem capa, repousando entre as páginas de um inocente gibi do Cebolinha.

Resumo da ópera: Dona Lete há tempos arrancou de minha mãe o posto de figura feminina da Rainha do Lar. Tô até pensando em promovê-la a secretária executiva para questões domésticas (uma espécie de empregada upgrade que é capaz de fazer compras e pagar contas sozinha). Mas não vai dar: pra isso, eu teria que dar meu carro pra ela. E Dona Lete não sabe dirigir.

Pior: no meu carro não pega a rádio crente...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Minuto de Leseira Poética


Tinha asfalto e cimento
Tinha linha divisória
Tinha regra de conduta
"Não no estacionamento!"

Mas ela tinha que nascer

Aplausos para essa idiota!

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Nem a pau, Juvenal!



Hoje é dia de chegar mais cedo do trabalho, passar Phebo nas estrias, se enfiar no samba-canção que a patroa lavou com Fofo Brisa Suave e se afundar na poltrona manchada, com o isopor de Skol de um lado e um penicão do outro - pra não precisar desgrudar da TV nem pra mijar.

Final do brasileirão? Muito pior: final da Duas Caras. Nunca tantos tiozões tiveram sua atenção galvanizada por uma novela. E não adianta dizer que é pra ver a Alzira relar na vara, não: todo mundo sabe que os cabras tão mesmo é vibrando pelo Juvenal.

Ainda bem que vai acabar. As esposas já tavam preocupadas.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Saudades da fita K-7


- Sábado que vem vai ter festa na casa do Fulano!

Por "festa", naquela época e idades, entenda-se uma reuniãozinha de pouco mais de dúzia de adolescentes, quase sempre da mesma rua ou escola, com hora marcada pra começar e terminar, geralmente realizada na garagem de alguém - que era pra dar o mínimo de trabalho possível pros pais do tal alguém e assim, convenientemente, mantê-los a uma agradável (ainda que mínima) distância.

Assim mesmo, a festinha de garagem era um acontecimento social que deixava ânimos, hormônios, páginas de relicário e conversas de recreio em ebulição por pelo menos uma semana. Isso porque havia todo um ritual de preparação, quase impensável nos dias de hoje. Pra começar, tinha que se escolher a dedo a trilha sonora. A dedo mesmo: anos-luz antes dos milagres dos CDs e MP3 da vida, os DJs amadores tinham que se virar com bolachões de vinil e fitas k-7 em aparelhos pra lá de mecânicos que exigiam paciência e habilidade em generosas proporções.

E isso era maravilhoso.

Dada tamanha complexidade, o randevú juvenil contava sempre uma especie de comissão de produção/relações-públicas, geralmente formada pelo "dono da festa" e seus amigos mais chegados, que tinham a religiosa missão de formar redes de relacionamento musical - as mais improváveis possíveis - pelo bem da diversão geral. Tipo: aquela ali tem LPs da Madonna, da Blitz e do A-HA; aquele outro tem do Dire Straits e do The Police; o doidão lá do fim da rua tem Oingo Boingo e The Cure, e - juro pela minha mãe! O Disque-Jóquei da Difusora prometeu que amanhã à tarde vai rolar um especial do Michael Jackson de uma hora, sem intervalo comercial!

Daí juntava-se todo esse material fonográfico arcaico com o cuidado de quem embala criança (vinil era caro pra cacete e se alguém arranhasse disco emprestado... Ah! Era morte social!) e debandava geral pra casa de algum sortudo que tinha um aparelho 3 em 1 com duplo deck - o máximo de sofisticação e status que um ser humano com menos de 18 anos poderia alcançar num mundo pré-windows. O tal três-em-um era um aparelho de som grande e pesado o bastante pra ocupar lugar de destaque na estante de uma sala e permitia gravar músicas de LPs e da rádio diretamente para uma fita k-7.

Nessa fita-maravilha, gravava-se faixa a faixa a "seleção" da festa. Tinha "Lado A" e "Lado B", cada um com mísera meia hora de duração (45 minutos se fossem fitas Basf de cromo, que sempre quebravam) e encher cada um desses lados de meia hora exigia um planejamento digno de engenheiro astrofísico: o repertório tinha que acabar EXATAMENTE no final da fita - se sobrasse espaço, a K-7 ficava muda e a pista de dança era obrigada a parar até que o DJ "virasse" a fita; se, ao contrário, o espaço da K-7 acabasse antes, a música cortava no meio abruptamente (e cortava todo o clima da festa junto com ela). Mesmo que o aparelho milagroso tivesse o ultra-mega-high sistema de auto-reverse (que "virava" o lado da fita automaticamente sem ninguém precisar mexer), ainda assim fazia um barulho horrível no processo e melava a festa do mesmo jeito. A molecada era exigente.

Era comum comprar as K-7s em caixas de 10 unidades, pois saía mais barato. Mas raramente a mesma fita permanecia gravada por muito tempo: era regra reutilizá-las ao infinito, rebobinando com lápis e cobrindo o lacre anti-regravação com bolinha de papel ou fita durex. Isso porque nunca dava pra gravar uma fita inteira sem nenhuma falha: se você gravava a partir de LPs, sempre tinha uma faixa arranhada. Se gravava direto da rádio, o desgraçado do DJ sempre falava no meio da música - e lá vinha você correndo tacar o dedo no botão "pause", mas era tarde demais.

Quando tudo dava certo e uma seleção musical Medalha de Ouro era gravada, significava que a festa seria um sucesso. Tinha que ter o "momento agitado" pra todo mundo dançar, o "momento romântico" onde os que estavam a fim um do outro aproveitavam pra dançar coladinhos e também os momentos tragicômicos - de prendas do tipo imitar a Gretchen e as terríveis "danças da vassoura" que só rolavam direito se as mocinhas do lugar já tivessem se emborcado de Keep Cooler sabor frutas (só elas acreditavam que aquela porra tinha pouco álcool). Seleções musicais memoráveis rendiam festas idem, e as fitas que tocavam em festas bem-sucedidas viravam alvo de disputas dignas de coliseu.

É claro que eu não sou um dinossauro chato que vive do passado: adoro minhas toneladas de MP3 e meus playlists de décadas de duração organizados em menos de cinco minutos. Mas havia qualquer coisa de romântico, de heróico, naquelas maratonas de caça musical dos anos 80/90 que fazem muita falta hoje. Gravar as tais coletâneas era a ocasião perfeita pra vencer um dia chato: a turma aproveitava pra se reunir (ao vivo, pois que não havia celular nem MSN pra atrapalhar). Entre conversas, fofocas e palhaçadas, a gente se conhecia, amadurecia, trocava referências, experiências... Vivia.

Eu sinto falta, sim, das minhas fitas K-7 - porque dentro de cada uma delas tinha música, tosqueiras, improviso, gargalhadas, namoros, criatividade e uma mal disfarçada inocência que, infelizmente, não cabe nos arquivos digitais de hoje. Eles são leves, rápidos e esquecíveis demais.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Portelinha pra quê?



Diz que o Ibope das novelas tá diminuindo mais que as roupas da Flávia Alessandra. Pudera: com Isabelas caindo de janelas, padres desaparecendo a bordo de balões de festa, bebês de duas cabeças nascendo na Índia, cafetinas brasileiras derrubando candidatos à presidência nos EUA, covas coletivas sendo abertas em Manacupuru, mototaxistas encontrados sem pau em varadouros na BR 174 e Ronalduchos comsumindo travecas em pleno horário nobre, novela perdeu a graça: emocionante mesmo é assistir telejornal. E eu, que só dou notícias bizarras, fiquei com cara de Diário Oficial.

Concorrência desleal é uma merda.

terça-feira, 25 de março de 2008

Apocalipse 2.0




Num futuro não muito distante, o bispo Macedo vai associar-se ao Google para comprar a Coca-Cola - e os governos (com exceção da Califórnia) vão cair. A volta de Cristo será protelada pelo Departamento de Marketing (é arriscado liberar eventos desse porte sem ouvir os acionistas e os institutos de pesquisa) e, quando o fim do mundo rolar transmitido pelo Youtube em double surround, com efeitos da Industrial Light and Magic e arranjos de guitarra do Chimbinha com vocais da Britney Spears, nós teremos certeza de que o consumismo finalmente colocou a civilização em seu devido lugar - o inferno.

Mas antes disso, o Bizarro volta. Pois que desgraça pouca é leseira.