quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Corpse Ride


Tinha certa morbidez poética o reclame colado à média altura naquela ruazinha vieirálvica que, de tão corriqueira nas andanças diárias, nunca preocupei-me em lembrar do nome (perdoe-me de antemão a autoridade, o santo ou o rio homenageado, por tão ingrata indiferença).

Lá estavam cavalo Faísca e seu montador, em instantâneo de salto galopante - imagem nostálgica, épica e, atualmente, fúnebre: Beto Carrero em majestosa pose Upa-lalá, anunciando que seu circo andava cá pela cidade.

- Mas ele não morreu, porra?

Pois foi. O curioso estudante (só poderia ser) que parara em frente ao áutidór para fazer a pergunta supracitada em amplo e cru som, assim como eu, não compreendia como o vaqueiro-animador-empresário-e-milionário-estalador-de-chicotes poderia estar, ao mesmo tempo, em uma arena de esportes manauense e numa bem lacrada sepultura no Cemitério da Penha, em Santa Catarina. Mas era exatamente isso que constava no anúncio. Circo Beto Carrero em Manaus (preços especiais, venha e traga e sua família).

Sabendo já me ser a idade um pouco tardia para começar a Ver Pessoas Mortas (especialmente em mídias exteriores de apuro estético duvidoso), lancei-me em primeira oportunidade ao Barriga Verde Online (como não confiar em periódico eletrônico de nome tão delicioso?) e lá estava a confirmação: Beto Carrero de fato batera suas magníficas botas de couro costurado à mão ao primeiro dia de fevereiro do ano do Senhor corrente, vítima de endocardite infecciosa e choque cardiogênico - dois desses malefícios dos quais só se descobre a existência após graduação em Medicina ou a perda dos avós.

The show must go on, okay. É perfeitamente compreensível que o autor passe e a obra permaneça - especialmente uma obra que sustenta centenas de famílias, anima as tardes de milhares de outras e leva ao delírio os administradores dos grupos financeiros certos. Que o Circo Beto Carrero continue na estrada é bacana. Que a foto do próprio continue nos reclames é bizarro. "Ah, mas a imagem do Beto Carrero é um ícone, é a própria identidade do circo que ele criou!", rebate um amigo marqueteiro de razoável bagagem técnico-literária. Arrã. Mas não seria estranho, a exemplo, levar os bruguelinhos à Disney e vê-los sendo recebidos pelo próprio (com Mickey, Donald e Pateta revezando-se às alças do caixão)? Pelo bem de minha conta no analista, quero crer que sim, e que nem no Egito múmias seriam garotas-propaganda de parque temático (tal privilégio só cabe a Las Vegas).

Ainda que por mera preservação da imagem de um ídolo - além da manutenção da sanidade infantil - sugiramos ao marketing do espetáculo a urgente contratação de um mascote menos embalsamado. Ou que empreguem apenas a simpática e inofensiva logomarca já existente nas peças de divulgação do espetáculo. Crianças já são assustadoras o suficiente sem que precisem fazer pedidos do tipo: "pai, me leva no circo do morto?

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