terça-feira, 24 de junho de 2008
Nighthawks. Or else.
Ela: Acho que sou aquela garota de quem ninguém se lembra.
Ele: Acho que já vi essa frase antes.
Ela: Ninguém vê uma frase.
Ele: No cinema. Filme legendado.
Ela: Arrange um bom emprego e aprenda inglês.
Ele: Acho que era filme europeu.
Ela: Então substitua o emprego por um bom casamento.
Ele: Casamento bom não existe.
Ela: Eu não disse casamento bom. Disse "bom casamento".
Ele: Há diferença?
Ela: Visão comercial.
Ele: Acho que você realmente é aquela garota de quem ninguém se lembra.
Ela: E por quê?
Ele: Você pensa demais. Ninguém se lembra de garotas que pensam demais.
Ela: E por quê?
Ele: São iguais a todas as outras.
(Com mil perdões a Hopper, Hitchcock e a todos aqueles que acreditam no amor. Pensando bem, não.)
segunda-feira, 23 de junho de 2008
Diarista, este ser enigmático
Lá em casa tem a Dona Lete. Desse jeito mesmo: Lete, pura e simplesmente, já que foi assim que ela se apresentou e eu - por precaução - achei melhor nem perguntar o resto de um nome tão peculiar (de perigosa já basta a rima).
Pois que Dona Lete é um doce de pessoa, e reúne aqueles atributos que fazem a alegria da Casa Grande: é honestíssima, asseada, quase não me dirige a palavra e, a não ser pra dar conta do serviço, prefere ficar na dela. Para alguém tão bagunçado quanto eu, é uma redenção divina quando Dona Lete baixa, a cada dois dias sem falta, pra me deixar o apartamento novamente habitável por seres humanos.
Mas Dona Lete tem lá suas manias. Uma delas, claro, é a rádio crente. Evangélica fervorosa, Dona Lete vive praticamente de Luz, bolachas cream cracker (ela não come outra coisa, juro) e louvores em freqüência modulada - tanto que esta foi uma de suas poucas exigências pra trabalhar: o som da sala já fica pré-sintonizado na rádio crente. As caixas de som ficam lá, despejando todas aquelas canções de fé enquanto Dona Lete, de Pinho e balde, desinfeta e abençoa meu chão.
Outra mania é o celular. Mulher antenada e pessoa iluminada, Dona Lete, ao que parece, resolveu unir as duas qualidades: dá conselhos pelo celular. Volta e meia toca o celular da Dona Lete e é alguém da comunidade pedindo orientação e palavras de conforto. Só que a mulher é um tanto quanto enérgica...
- PORRA, MANINHA, EU JÁ TE FALEI PRA LARGAR ESSE CACHACEIRO VAGABUNDO QUE ISSO NUM PRESTA! DESCE A MÃO NESSE TRASTE DE HÔMI E TE AVIA!
Ou então:
- DIZ PRA ESSA FULÊRA QUE SE ELA NUM PAGAR O QUE DEVE, VÃO MANDÁ OS POLÍÇA LÁ NA CASA DELA PRA TOMÁ TUDO!
Assim mesmo, gritando baixo, e sem poupar concessões a palavras que o ministério da evangelização preferiria não ouvir da boca de seus fiéis.
Outra mania de Dona Lete são as combinações. Ela é muito organizada. Demais. Mas organizada de um jeito muito pessoal. Outro dia ela reclamou que eu tinha pouca roupa azul - assim, ficava difícil arrumar os armários por cor e deixar bonitinho.
As velas decorativas da sala tavam "muito sem graça": lá Dona Lete achou, sabe Deus onde, umas toalhinhas de crochê da minha avó e tacou em todas as mesas, com as velas em cima. Eu chego, vejo aquela arrumação de altar de arraial e fico na minha - primeiro porque morro de rir; segundo porque, se eu tirar as tais toalhinhas, no outro dia tão lá de novo. Pra completar, meu tio trouxe do Caribe umas estatuetas de umas crioulas meio vodu. Que Dona Lete, por mistérios da vida, achou lindas. E pra fechar o culto ecumênico com chave de ouro, ainda temperou o arranjo com uns duendes e bruxinhas que a minha irmã, em sua já superada fase mística, andou esquecendo lá por casa. Sincretismo religioso puro em plena sala de estar, e eu não sei se me sinto espiritualmente protegidíssimo ou esteticamente amaldiçoado por toda a eternidade.
Dona Lete também é a única a quem permito arrumar minhas gavetas. Até porque eu mesmo não consigo. Ela encontra coisas que nem minha mãe encontraria (amém), e quando não sabe o que fazer com os cacarecos que encontra, deixa tudo enfileiradinho na minha escrivaninha pra que eu decida o que presta e o que vai pro lixo. Desnecessário dizer os sustos que eu levo ao ver certas coisas desenterradas por Dona Lete me encarando na escrivaninha quando chego do trabalho. Ás vezes eu acho que ela age com requintes de crueldade - ao deixar, por exemplo, o cinzeiro roubado de bar ao lado da apostila surrada de "ética", dos tempos da faculdade. Ou a cópia pirata do filminho adulto pretensamente "cult", sem capa, repousando entre as páginas de um inocente gibi do Cebolinha.
Resumo da ópera: Dona Lete há tempos arrancou de minha mãe o posto de figura feminina da Rainha do Lar. Tô até pensando em promovê-la a secretária executiva para questões domésticas (uma espécie de empregada upgrade que é capaz de fazer compras e pagar contas sozinha). Mas não vai dar: pra isso, eu teria que dar meu carro pra ela. E Dona Lete não sabe dirigir.
Pior: no meu carro não pega a rádio crente...
terça-feira, 3 de junho de 2008
Minuto de Leseira Poética
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